Saturday, April 10, 2010

Velhos são os trapos...
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José, São, José Alberto e Florinda


José Alberto - Avô materno
Tinha 1,90 de altura. Um carpinteiro de mão cheia. Um artista que trabalhava a madeira com o coração. Cheguei a ver alguns papeis perdidos no tempo, onde pude vislumbrar a sua magnifica letra. Tinha uma letra linda! Na altura, perdido numa aldeia perdida, contavam-se pelos dedos de uma só mão as pessoas letradas. O meu avô era uma delas.
Lembro - me de ele ser enorme! Lembro-me dele me ir buscar ao táxi quando chegava de Lisboa para lá passar o Verão. Certa vez, adormeci no táxi e quando acordei, ele estava-me a pegar ao colo tentando evitar que eu acordásse. Todos os Verões, fazia-me um baloiço, com uma corda resistente e uma tábua, pequena, minunciosamente trabalhada para os meus avanços. Fazia-o às escondidas para me surpreender. Mas um dia, apanhei-o desprevenido. E deslumbrada, rasguei um enorme sorriso para a tábua que estava a ser serrada. " É o meu baloiço!!! " Ele negou. Falou-me que era uma tábua para a minha avó cortar carne. Mas era a brincar. Era mesmo o meu baloiço. E é tudo o que me lembro dele ... faleceu pouco depois, tinha eu sete anos. Ainda hoje as suas ferramentas de trabalho jazem nas traseiras de uma humilde casa de granito. Ferrujentas, tristes, e habitadas por aranhas. Estão lá no mesmo lugar onde as deixou, nas suas respectivas posições. O nó das cordas que suportavam o meu baloiço, o ultimo que ele me fez, ainda lá estão presas a um barrote. Não estivemos muitos anos juntos, mas ... o tempo suficiente para a sua figura carismática me marcar para sempre. Pois lembro-me dele, como se estivesse estado com ele ontem. É curioso...


Florinda - Avó materna
Pequenina, tipicamente portuguesa. Ao contrário do meu avô, não sabia, ou não teve oportunidade de saber sequer escrever o próprio nome. Uma triste realidade daqueles tempos. Como ela, eram às centenas por esse país fora. Era mais uma entre muitas e muitas mulheres, talhadas para cuidar dos filhos, sempre muitos, e para trabalhar na agricultura de Sol a Sol. Mas era uma castiça! Muito esperta! Nada lhe escapava. Eu era sempre apanhada. Lembro-me dela correr atrás de mim de vassoura em punho pelo terraço fora. Eu morria de medo! E corria até ela desistir! Mas ela não me queria mal. Era o seu jeito travesso. Lembro-me dela me dar banho num algidar grande, azul escuro, no meio da cozinha, e com o famoso sabão azul e branco!( Risos ) Uma vez falou-me, que ía á venda ( mercearia ) comprar um bolo. Fiquei regalada! Quando ela chegou, só vi um pão grande embrulhado em papel. Perguntei pelo bolo! O tal bolo, era o nome que davam aquele tipo de pão. Fiquei desiludida, mas não reclamei. Adorava comer aquele pão com chocolate no meio, não em creme, nem derretido, mas sim sólido, aos pedacinhos no meio do pão. Ainda hoje gosto. Uma daquelas manias antigas que se pegam.



A minha avó, uma vez viúva, deixou a tal humilde casa de granito, que ainda hoje existe, e foi viver para casa de uma filha, minha tia que vivia por perto. Lá tinha os meus primos todos da minha idade, ouro sobre azul, para a brincadeira! E com o passar dos anos fui convivendo mais com eles, do que com ela. Embora ela estivesse sempre presente, a minha atenção dispersou. Entretanto cresci, cresci depressa, e deixei de lá ir com frequência. E ela envelheceu, envelheceu depressa ... tão depressa que quando dei por isso já estava acamada. Com 93 anos, mais pequenina, já não via bem, pouco falava, mas estava sempre a sorrir, sempre ... é a imagem que guardo. Foi a ultima vez que a vi, foi ... a sorrir. Morreu feliz, sem sofrimento, sem máquinas, morreu em paz e em casa. E fico feliz por isso.
Jamais me esquecerei de ti a correr atrás de mim com a vassoura. Jamais me esquecerei das vezes que dormiamos juntas quando vinhas a Lisboa, de rezares o terço completo, e de penteares os teus longos cabelos brancos, como se fosse um acto secreto. Jamais me esquecerei do teu eterno luto pelo meu avô. E por fim, jamais me esquecerei do cheiro da tua pele, cheiro a terra e a sol.



São - Avó paterna
Bem robusta, e super bem disposta. Ainda a tenho! E sou uma neta babada! Esta é uma criatura maravilhosa. Simples, humilde, muito activa, e 87 primaveras saudáveis! Maravilhoso! A diferença do tipo de vida entre as minhas avós? Nenhuma. Ambas da mesma 'raça', mães de muitos filhos, e escravas da vida árdua do campo. Mas esta minha avó é uma contadora de histórias magnifica. Histórias de outros tempos, que ultrapassam a imaginação de muita gente. Eu e muitos netos, ficamos sempre deslumbrados quando a ouvimos falar. Tem uma boa cabeça, de horizontes abertos, é directa, objectiva, fala de tudo sem problema nenhum. Acho-a o máximo! Casou-se em 1940, e teve treze filhos. Naquela época, numa aldeiazinha atrás do Sol posto, era tudo muitissimo simples. Não havia festas, nem viagens de núpcias, embora noites de núpcias, parece-me a mim que foi a vida toda! E fizeram bem!! Ela sempre trabalhou no campo, e com o gado. Algumas ovelhas, galinhas e coelhos. Tudo para criar, matar, e alimentar a familia que crescia todos os anos. O meu avô trabalhava numa pedreira, hoje a 45 minutos de carro, mas na altura era quase do outro lado do mundo! Só ía a casa ao fim-de-semana. Está visto, a razão da numerosa familia. Justifica-se. Não havia televisão! Aliás, quando casaram, a electricidade ainda não tinha lá chegado! A luz era de velas, ou de candeeiros a petróleo. Isto dito assim, pode parecer que estou a falar de personagens precárias, diminuidas, mas enganem-se ... aqui falo, de pessoas incriveis, sem escolha, sem opção, com uma capacidade de sobrevivência única.



A casa onde ainda hoje vivem, agora equipada, mais moderna e funcional. Na altura, tinha só dois quartos, minimos! Um para os meus avós, o outro para os filhos. Dormiam para os pés uns dos outros, em zig-zag. Na cama e no chão. Não havia casa de banho. Era um buraco fundo na terra em forma de poço, fora da casa. Os banhos eram tomados no tanque de pedra onde se lavava a roupa, com metro e meio de profundidade e pouco mais de dois metros de comprimento. Também situado no exterior, com água de nascente que corria e ainda corre, livremente todo o ano, do melhor que há! Toda a alimentação vinha do campo e dos animais. O pão, por exemplo, não havia à venda. Fazia-se em casa. E os meus avós só tinham possibilidade de fazer pão uma vez por semana, mesmo assim não era sempre. Segundo ela, e confirmado pelo meu pai, fazia o pão à noite. E assim que lhe sentiam o cheiro, eles nem dormiam! De manhã, acotovolavam-se uns aos outros para ver quem chegava primeiro!



A minha avó tinha os filhos onde calhava. Porque não podia deixar de trabalhar! Todos os dias religiosamente de Sol a Sol tinha que ir para o campo. Quando era possivel, e se não estivesse muito longe, era levada para casa. Mas se a criança estivesse com pressa, era ali mesmo! No meio do campo! Vizinhas e familiares, armavam-se de panos e água quente, chamavam-se as mulheres mais velhas, parteiras ou não, e toca a a fazer força! Assim nasceram 13 crianças saudáveis!! Avó! És a maior!!!! Grande senhora!!!
Uma vez falou-me que quando eram novas, a altura da menstruação, era uma tortura. Não havia " Evax´s fina e segura ". Usava-se um paninho, tipo turco, dobrado de forma a que ficasse aconchegado. No meio da sua luta diária, por vezes, não havia nem tempo, nem condições para urgências. Em dias de maior fluxo, o mesmo, abria caminho pernas abaixo. Era uma situação normal. Ninguém sofria com isso. Se ninguém tivesse um paninho a mais, só quando chegavam a casa é que tratavam da sua higiene. Até lá, contiuava-se a trabalhar como se nada fosse. Lembro-me perfeitamente de ter ficado sem palavras. E de só sentir, um enorme respeito e admiração por toda esta geração.

José - Avô paterno

Figura elegante. Também está connosco. E toda a vida foi um homem duro de roer, homem do campo, e rigoroso. Segundo a minha avó, ele era lindo! Alto, louro, e de olhos azuis. Já não é tão alto, o louro deu lugar ao branco, mas os seus olhos azuis continuam a ser lindos. Naquela época, só se namorava na presença dos pais ou familiares. Não podiam estar, nem andar sózinhos. Hoje em dia eles riem-se disto. E afirmam, que era assim de facto. Mas que todos os casais sem excepção, arranjavam maneira de se encontrarem às escondidas. Óbviamente, não se arriscavam muito, porque se fossem apanhados, ou avistados por alguém, tudo se sabia muito rápidamente. E depois, havia severos castigos e sermões, sobretudo para as jovens mulheres. Um jovem casal que namorásse livremente sem ninguém por perto, era visto com maus olhos. Era vergonhoso, e não tardava a serem difamados. Outros tempos!
O meu avô tinha um génio rigoroso com os filhos. Começaram todos a trabalhar cedo. Ajudar no campo e na lida da casa. Ele era o Mister, daquela equipa de futebol. Um dia o meu pai foi apanhado a fumar nas trazeiras da casa. Tinha quinze anos. Levou uma tareia, que nunca mais se esqueceu. Nem falou uma palavra. O respeito que tinham por ele era quase divino. Respeito esse que ainda hoje existe, claro. No Verão, quando aparecemos lá todos, ele até foge de vez enquando. Dá vontade de rir! Fica confuso com tanta gente! ( Risos ) É dotado uma vivacidade invejável. Há três anos teve um AVC. Ficou temporáriamente sem falar, sem andar, e não reconhecia toda a gente. Ficámos todos assutados e inquietos. Toda a familia se uniu. Mas tudo acabou bem. Ele foi para casa, com todos os cuidados assegurados. E pouco tempo depois, imaginem só, foi ver um jogo de futebol. Como se nada fosse! Ficou sem nenhuma masela. Fala, pensa, age, anda, tudo perfeitamente normal. Com quase noventa anos, não é para qualquer um! Certa vez, no Verão, tinha lá ido passar uns dias com o meu irmão e o meu primo Vasco. Acordámos com a minha avó aos gritos! Levantámo-nos de assalto! E corremos lá para fora! Deparámo-nos com a minha avó a tentar segurar o meu avô, que estava furioso com o vizinho do lado que deixará correr água para o caminho dele para o provocar, visto que já não se davam lá muito bem. Estavam-se atacar verbalmente. Mas o meu avô sem meias medidas, já estava de enchada na mão para lhe partir a cabeça! Só visto!!! Fiquei petrificada! Lá conseguimos acabar com aquela discusão, e fomos todos para casa. Vejam só o temperamento deste senhor. Não é por mal, mas orgulho-me! ( Risos ) Com ele não se faz farinha! Engraçado ... somos todos uns pacificadores. E é mesmo verdade. Mas por exemplo, eu, o meu irmão também, quando a gente se enerva ou nos exaltamos, somos iguazinhos ao meu pai, e por acréscimo ao meu avô. Já assisti. E não é bonito. Creio que todos temos o bicho dele cá dentro. Somos da paz, mas no que toca a provocações desmedidas perdemos a cabeça. Enfim ... genes!

Desta união nasceram 13 filhos, 23 netos e já conta com 12 bisnetos. É confuso, mas delicioso quando todos nos juntamos. Somos muitos, e ao contrário de muitas familias grandes, damo-nos todos bem ... os meus avós são uns guerreiros, e venceram a batalha.

Para finalizar ... orgulho-me muito da minha familia. E sinto nos genes, a força e a sua capacidade de encaxe nas mais diversas situações. É uma mais valia, nos tempos que correm, muito preciosa. E ainda bem que a herdei. :)


2 comments:

Vasco Ribeiro said...

Muito bom e escrito com o coração!
Beijocas

Vasco Ribeiro said...

E claro GRANDA Família que somos... :) Beijinhos minha querida.